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FLÁVIA QUEIROZ
( BRASIL – RIO DE JANEIRO )

 

Carioca de nascimento, é socióloga, poeta e compositora.
Tem publicados os livros Círculo de Giz (1983)e Arrumar as Gavetas (2012).

 

SUPLEMENTG -           (Suplemento Literário de Minas Gerais. Belo Horizonte,  d40 p.     28 x 35 cm                                                Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

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De repente a imensa ausência envolve o espaço
do cenário desolado a ser desfeito.
Tantas fendas entranhadas de perfumes,
tantas rendas, tantas cenas e costumes
num crochê se desmanchando assombra o peito.

Toda a casa se desfolha, se despoja
das histórias, dos segredos, dos vestígios.
Nas gavetas dorme inerte o movimento,
as paredes perdem todos os sentidos
e os pedaços se desprendem como pétalas,
viram louça de um jantar sem mais convívio.

A mobília ganha novos endereços,
prateleiras pouco a pouco mais vazias...
Objetos pessoais têm novos donos
e as escolhas deixam sobras sem valia
semeadas pelos cômodos — despojos
fragmentos que se espalham como ilhas.

São retalhos de uma vida semeada,
povoada de sentidos, senhas, teias.
Resta a falha que se espalha em cada canto
devassando a solidão que nos espreita.
Pelas gretas o passado acena, assiste,
se esfacela, de desprende, despenteia...

Essa herança de raízes entranhadas
se desbota como quadro exposto ao tempo.
Sobre a sala o lustre insiste iluminando,
revelando a escuridão desse momento.
A partilha não preenche o oco, a falta
mas ressoa o rastro fundo do silêncio.

 

 

 HERANÇA

Herdamos — mais que tudo, herdamos
atravessando descoberta e desatino,
herdamos gestos, atitudes e palavras
a nos moldarem quando ainda e só meninos
impregnados dos semblantes, dos cenários
que percorremos pela vastidão de estórias.
Ouvimos fábulas, parábolas e segredos...
nas confissões há mais derrotas que vitórias.

Herdamos hábitos sisudos e rodeios
enovelados nos enredos imprecisos
Fantasiando um paraíso improvisado
fomos no fundo desse poço e emergimos
salvos por todos os momentos preciosos
que descobrimos nos baús empoeirados.
Enquanto todos os retratos nos sorriam
diziam mais de seus desejos que dos fatos.

Herdamos cartas de baralhos e roletas
girando soltas incertezas e receios.
Desmascarando as vãs promessas que fizemos
arderam fogos de artifício e o degelo.

Herdamos nome, sobrenome e seu caráter
posto em constante desafio e sobressalto:
equilibristas num cordão de isolamento
voamos soltos do trapézio em cada ato
buscando a mão que nos segure do outro lado,
querendo a rede no invisível desamparo
— um domador que atiça as feras enjauladas,
um caçador que aprende o vento e acende o faro

 Herdamos — mais que tudo, herdamos
e hoje o que somos se entrelaça nessa herança
revisitada em novo olhar desconcertado
pois no incontido coração dorme a criança.                    


*

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Página publicada em janeiro de 2024


 

 

 
 
 
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